top of page
Buscar

O mercado da música sob a ótica da teoria econômica

  • Igor Paim
  • 12 de jun. de 2017
  • 7 min de leitura

Introdução

Hoje em dia existe um grande debate na sociedade sobre o destino da nossa cultura. As constatações normalmente são sobre como os produtos culturais parecem ser “mais do mesmo”. Este debate, amplamente discutido entre antropólogos, sociólogos e artistas em geral, envolve amplas divagações sobre o futuro da humanidade, sobre os males da sociedade moderna e normalmente envolve conclusões sobre o que é bom ou ruim para o ser humano.

Lembrando que a Ciência Econômica é, acima de tudo, uma ciência social, muitas de suas teorias estão aptas a analisar situações que vão além da parte financeira ou apurações de agregados. Ao falar sobre cultura, abre-se um leque praticamente infinito de assuntos, porém, neste artigo, irei tratar apenas da “indústria da música”.

As críticas feitas ao meio musical atualmente são, quase todas, referentes à falta de criatividade. Tem-se, em grande parte dos casos, um saudosismo a períodos passados e preocupação constante com os tempos que estão por vir. Até aí, nenhum problema. Os motivos dados a esse comportamento são vários.

Na verdade, olhando esta situação sob o véu da teoria econômica fica um pouco mais fácil observar as reais causas de uma homogeneidade do mundo da musica. A presente argumentação não tem a intenção de supor se é bom ou ruim o que está acontecendo, pretende-se apenas fazer uma análise, com base na teoria econômica, sobre o processo existente.

Indústria da música sob a hipótese da concorrência perfeita

Para entendermos o comportamento do mundo musical, temos, antes, que compreender um conceito de vital importância da teoria econômica. Tal conceito é o modelo neoclássico de concorrência perfeita (Kupfer & Hasenclever, 2013). Neste modelo de mercado temos:

  • A livre entrada de firmas e consumidores no mercado;

  • A hipótese da homogeneidade; onde os produtos oferecidos pelas firmas são parecidos e não possuem muita diferenciação;

  • A transparência de mercado; onde consumidores e outros fornecedores têm total acesso às informações de todas as firmas;

  • A hipótese da mobilidade de bens; onde se tem total mobilidade dos produtos entre as diversas regiões, ou seja, não há custos para mover o produto.

Agora iremos fazer correlações entre os itens citados acima e o mercado fonográfico, além de citar outros conceitos existentes na teoria econômica. Para isso, teremos como base o mercado musical brasileiro e comparações entre os dias atuais e a década de 1980.

Livre entrada de “firmas” e consumidores

A primeira grande mudança que podemos notar neste mercado, refere-se ao primeiro item do modelo de concorrência perfeita: a entrada de novas firmas e consumidores. Consideraremos como firmas os músicos, e como clientes/consumidores os ouvintes (fãs).

Durante a década de 1980, as barreiras existentes à entrada de novos competidores (músicos) neste mercado eram grandes. A primeira era em relação aos instrumentos musicais. O Brasil tinha uma economia muito mais fechada e o mercado ficava restrito aos fabricantes nacionais (que eram poucos) e aos luthiers, que pelo trabalho mais artesanal, normalmente possuem um preço maior. Com tudo isso, o custo para a aquisição do instrumento musical era comumente alto.

Outra barreira existente era a “aquisição” do conhecimento musical. Para aprender a tocar um instrumento e, consequentemente, a teoria musical de maneira satisfatória, era necessário entrar em uma escola de música ou aprender por meio de revistas existentes nas bancas de jornal, que normalmente abrangiam apenas o básico sobre o assunto.

Além das duas barreiras citadas anteriormente, tínhamos as barreiras de acesso ao consumidor. Mesmo para os que conseguiam adquirir o conhecimento musical, havia a dificuldade em levar seu produto (música) ao grande público. Os grandes meios difusores eram o rádio e a TV, que executavam apenas os nomes disponíveis nas grandes gravadoras. Ser independente não era impossível, mas chegar ao grande público continuava tarefa bastante árdua. Fazer gravações com o mínimo de qualidade exigia a presença em um estúdio, com a companhia de técnicos de som experientes, o que normalmente exigia um alto investimento.


Mobilidade dos bens

No modelo de concorrência perfeita temos que os bens são movimentados entre regiões sem custos ou com custos baixos, tendendo a zero.

No mundo musical podemos entender mobilidade de bens por levar a música de determinado cantor ou banda para um estado diferente do de origem do músico. Ou seja: Levar a música de uma banda do Rio de Janeiro para Pernambuco, por exemplo.

Na década de 1980, o que vigorava eram os custos relativamente altos para movimentar a música. Por exemplo: determinado cantor que desejasse lançar sua música dependia, minimamente, de gravar um disco (mais tarde um cd) e imprimi-lo em quantidade o suficiente para alcançar o público que ele buscava. Ou seja: Quanto maior o alcance requerido (ex: número de estados) maior seria o custo, pois ele deveria fazer mais impressões de seu disco ou cd.


Tecnologia e queda das barreiras

Quando observamos o cenário que existia há décadas atrás e o que nós temos agora, podemos perceber que tais barreiras foram praticamente destruídas. Assim como em outras áreas, a ascensão da internet interferiu no mundo da música de maneira contundente. Com a abertura comercial brasileira e estabilidade econômica dos anos 1990, o custo para obter um instrumento musical caiu e a internet permitiu o compartilhamento global e instantâneo de informações.

Hoje, ao contrário dos anos 1980, é extremamente fácil se lançar para o grande público. O músico não depende mais de uma grande gravadora ou de um caça talentos que goste do que ele faz. Basta ter uma câmera e um microfone, saber manusear softwares de áudio (na internet existem alguns gratuitos e com tutoriais detalhados) e um cadastro em uma rede social para que seu trabalho possa alcançar milhares de pessoas facilmente. Podemos dizer, hoje, que não existe barreira à entrada ou saída de músicos no mercado.

As barreiras também caíram para a entrada de consumidores. Enquanto nos anos 80 quem quisesse “consumir” música deveria ter uma vitrola (posteriormente o cd player) e adquirir o disco (cd, anos mais tarde), hoje os meios de reprodução possuem um alcance muito maior que os aparelhos antigos jamais alcançaram. Todo smartphone, tablet, computador de mesa ou notebook tem como recurso mínimo um reprodutor de áudio.

A tecnologia também levou à zero os custos de mobilidade. Os aparelhos digitais comportam milhares de músicas em sua memória, sem contar os aplicativos que mantém a música online, não precisando armazená-las na memória do dispositivo. Não é mais necessário o cd ou disco.

Uma hipótese não citada até agora também virou regra: A transparência no mercado. A internet colocou online todas as informações a respeito do processo musical. Quer saber os acordes de determinada música? Está na internet. E a configuração do som da guitarra de uma banda famosa? Existe um vídeo ensinando. Tal transparência é uma das principais causas da difusão do conhecimento musical e da entrada de novos competidores no mercado.

Apesar de todos os argumentos lançados até então, não podemos explicar a homogeneidade ou uma possível falta de criatividade dos dias atuais. Para isso, devemos falar sobre o economista austríaco Joseph Schumpeter.


Schumpeter e a destruição criativa


Schumpeter foi um economista austríaco que viveu entre 1883 e 1950. Considerado um dos maiores economistas do séc. XX fez enormes contribuições para o desenvolvimento do pensamento econômico. Dentre todos os seus trabalhos, o mais influente é A Teoria do Desenvolvimento Econômico, onde ele descreve como central a importância do empresário inovador, que é “o agente econômico que traz novos produtos para o mercado por meio de combinações mais eficientes dos fatores de produção, ou pela aplicação prática de alguma invenção ou inovação tecnológica” (Os Economistas, Joseph Schumpeter, 1997).

Para Schumpeter, os altos e baixos das economias eram devidos à destruição de mercados pela criação de outros (Destruição Criativa). Segundo o economista austríaco, a inovação se dava da seguinte maneira:

O agente inovador, chamado por ele de empresário (empreendedor) lança no mercado uma nova tecnologia ou processo (inovação). A partir do momento que tal inovação mostra ter sucesso, ele começa a ser imitado por outros agentes que buscarão também os lucros trazidos pela inovação. Tal inovação entra em declínio com o advento de uma nova tecnologia que irá tornar a primeira obsoleta ou não atrativa para os consumidores. Podemos concluir, então, que no modelo schumpeteriano teremos dois agentes principais: o inovador e os imitadores.

Trazendo esta ideia para a presente argumentação, pode-se determinar como inovação no mundo musical uma nova forma de tocar determinado instrumento, nova combinação de instrumentos, letras, melodias, formas de cantar, etc. O agente inovador será aquele que irá inserir tais mudanças musicais e os imitadores irão seguir a nova tendência.

Conclusão

Toda essa teoria nos ajuda a entender a homogeneidade musical que existe hoje em dia. Perceba: com a destruição das barreiras à entrada de novos agentes, aumento da transparência de mercado e o custo zero para a mobilidade, o número de imitadores aumentou consideravelmente. No instante que algo novo é criado, na maioria dos casos a internet disponibiliza todas as informações necessárias para seguir a nova tendência musical.

Como prova podemos ver que qualquer um que queria aprender a tocar a música de determinado artista popular poderá aprender sem a necessidade de estudos profundos sobre música, basta entrar em um site de vídeos e aprender a música por um passo a passo. Podemos ver, inclusive, os inúmeros perfis (alguns extremamente populares) que existem em redes sociais e que apenas fazem “covers” de músicas famosas, sem apresentar qualquer material próprio.

Podemos concluir, além disso, que quanto menores as barreiras de determinado mercado, maior será o número de imitadores presentes nele, ou seja: o número de imitadores em um mercado é inversamente proporcional à quantidade e força das barreiras existentes neste mercado.

Aqui, devemos ter bastante cuidado. Ao concluir que com poucas barreiras teremos mais “imitadores”, podemos chegar à conclusão que tal mercado – ou inovação – será mais duradouro. Tal conclusão é precipitada.

Por mais agentes imitadores que existam no mercado, isso não significa a diminuição de inovadores. A inovação é independente ao sucesso de um mercado específico e está espalhada de forma disforme pelos indivíduos, e por mais que existam métodos para aumentar a inovação, o fator primordial continua sendo a ação humana, que não é constante e muito menos linear. Por mais que seguir um modelo pré-determinado pareça confortável e atrativo, o agente inovador buscará, ainda assim, quebrar o paradigma existente. Claro que com barreiras altas, a mudança será mais perseguida, porém isso não significa sucesso.

Toda essa argumentação quer dizer que não vivemos tempos de retração da criatividade ou um fim da cultura. O que vemos é um mercado extremamente aberto e competitivo que pode sofrer uma mudança abrupta a qualquer instante.

Bibliografia

Kupfer, D., & Hasenclever, L. (2013). Economia Industrial - Fundamentos Teóricos e Práticas no Brasil.

Os Economistas, Joseph Schumpeter. (1997). São Paulo: Nova Cultural.

 
 
 

留言


Leitura Recomendada
Procurar por Tags
Siga AGREGANDO VALOR
  • Facebook Social Icon
  • Twitter Social Icon

© 2017 por "Agregando Valor". 

bottom of page